10 de setembro de 2016
Não conheço algo mais irritante do que dar um
tempo, para quem pede e para quem recebe. O casal lembra um amontoado de papéis
colados. Papéis presos. Tentar desdobrar uma carta molhada é difícil. Ela rasga
nos vincos. Tentar sair de um passado sem arranhar é tão difícil quanto. Vai
rasgar de qualquer jeito, porque envolve expectativa e uma boa dose de
suspense. Os pratos vão quebrar, haverá choro, dor de cotovelo, ciúme, inveja,
ódio. É natural explodir. Não é possível arrumar a gravata ou pintar o rosto quando
se briga. Não se fica bonito, o rosto incha com ou sem lágrimas. Dar um tempo é
se reprimir, supor que se sai e se entra em uma vida com indiferença, sem levar
ou deixar algo. Dar um tempo é uma invenção fácil para não sofrer. Mas dar um
tempo faz sofrer pois não se diz a verdade.
Dar um tempo é igual a praguejar
"desapareça da minha frente". É despejar, escorraçar, dispensar. Não
há delicadeza. Aspira ao cinismo. É um jeito educado de faltar com a educação.
Dar um tempo não deveria existir porque não se deu a eternidade antes. Quando
se dá um tempo é que não há mais tempo para dar, já se gastou o tempo com a
possibilidade de um novo romance. Só se dá o tempo para avisar que o tempo
acabou. E amor não é consulta, não é terapia, para se controlar o tempo. Quem
conta beijos e olha o relógio insistentemente não estava vivo para dar tempo.
Deveria dar distância, tempo não. Tempo se consome, se acaba, não é mercadoria,
não é corpo. Tempo se esgota, como um pássaro lambe as asas e bebe o ar que
sobrou de seu vôo. Qualquer um odeia eufemismo, compaixão, piedade tola. Odeia
ser enganado com sinônimos e atenuantes. Odeia ser abafado, sonegado, traído
por um termo. Que seja a mais dura palavra, nunca dar um tempo. Dar um tempo é
uma ilusão que não será promovida a esperança. Dar um tempo é tirar o tempo.
Dar um tempo é fingido. Melhor a clareza do que os modos. Dar um tempo é
covardia, para quem não tem coragem de se despedir. Dar um tempo é um tchau que
não teve a convicção de um adeus. Dar um tempo não significa nada e é
justamente o nada que dói.
Resumir a relação a um ato mecânico dói. Todos
dão um tempo e ninguém pretende ser igual a todos nessa hora. Espera-se algo
que escape do lugar-comum. Uma frase honesta, autêntica, sublime, ainda que
triste. Não se pode dar um tempo, não existe mais coincidência de tempos entre
os dois. Dar um tempo é roubar o tempo que foi. Convencionou-se como forma de
sair da relação limpo e de banho lavado, sem sinais de violência. Ora, não há
maior violência do que dar o tempo. É mandar matar e acreditar que não se sujou
as mãos. É compatível em maldade com "quero continuar sendo teu
amigo". O que se adia não será cumprido depois.
Fabrício Carpinejar
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Quem sou eu
- Maria Clara Rocha
- Clara.Idade: 19.Falar a verdade não careço de muita lógica. Ou de mim se gosta ou esquece. Por gosto mesmo ficava de papo pro ar. Mas o que me faz feliz e apetece é cheiro de vinho, cabelo lavado, de escrever poesia pulando os dias, de frapê e filme iugoslavo. Qualquer dia desses faço feito Santos Dumont e construo minha casa na árvore.
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